nasci com imensa saúde e vitalidade e isso tem dado cabo de mim! a saúde faz-me mal. muito mal mesmo. e o pior é que a minha alegria inata fez de mim uma hipocondríaca insuportável. sei que tudo isto parece absurdo, mas realmente, constato que quando estou bem (isto é, quase sempre), cometo imensos erros (atrocidades mesmo!!) com a alimentaçao, por ex, ou até com a eterna questao do exercicio fisico. começo por explicar a primeira frase deste texto e logo perceberão também a segunda (que é a consequência - tristíssima, claro - da primeira).
eu tive um problema grave de saúde o ano passado resultado, precisamente, de estar tão bem (aliás, nem podia estar melhor! estava no período rosa fresquinho de consolidação de uma relação amorosa, portanto ultra apaixonada e romântica do pior). porque estava nos sete céus, dei-me a mim mesma o luxo dos prazeres intensos e portanto comi tudo o que me apeteceu! todas as refeições eram iniciadas com um brinde à vida e ao amor com um bom vinho, a comida era confeccionada com todos os condimentos desejados sem qualquer restrição, as sobremesas eram degustadas alarvemente a dois, enfim, umas férias de verão em que o amor foi todo ele bem nutrido a gelados, chocolates, alcool e muito dolce fare niente. fantástico! um prazer desmedido! resultado? crise de vesícula. uma semana de agosto maravilhosa de sol inteirinha hospitalizada de urgência, em jejum radical e doloroso, sem poder sequer beber água! (até me lembro de tantos delírios de visões de oasis em pleno deserto e de acordar com a paranóia de morrer asfixiada sem saliva!).
mas o que foi que então aconteceu comigo depois desta experiência traumatizante na ala feminina do 4º andar do hospital Egas Moniz com uma vista lindíssima sobre o rio Tejo que eu só conseguia vislumbrar quando conseguia levantar-me em aflição para ir à casa de banho? é que precisamente, passei a fazer imenso cuidado comigo! passei a cuidar de mim!!!, feita locutora de voz doce das publicidades pimbas do leite matinal dos anos 90 (para aqueles que se lembram: se eu não gostar de mim, quem gostará? - confesso que foi precisamente a crise de vesícula que me fez entender esta publicidade que durante todos estes longos anos da minha vida nunca tinha realmente percebido).
quando tive alta, anunciaram-me que teria de regressar para ser operada daí a uns tempos. até lá, teria de ser extremamente cuidadosa correndo o risco de regressar às urgências com uma nova crise.
o medo de voltar ao hospital naquele cenário era tanto, que durante os 4 meses que se seguiram de espera, segui à risca, de forma rigorosíssima, todas as recomendações prescritas: absolutamente nenhuma gordura (nem uma gota de azeite em nada!), 1,5 L de agua por dia (este é um dos meus maiores misterios relativamente ao meu corpo. chego mesmo a pensar que sou uma qualquer espécie de cacto, pela falta de sede que tenho e pelos dias inteiros que consigo passar sem me lembrar de beber agua) , evitar o açucar (este foi talvez o meu maior pesadelo até hoje. eu sou extremamente gulosa, costumo comer chocolate diariamente, ponho um pacote inteiro de açucar no café, etc.), preferir peixe e legumes (esta foi a parte mais fácil uma vez que adoro peixe e legumes. mas passados 4 meses realmente ja estava um pouco enjoada), retirar cirurgicamente toda a gordura das carnes brancas... breve: emagreci quase 10 Kg em 4 meses só pela alimentaçao (nem fiz exercicio até porque estava com muito pouca energia)!
a operação correu super bem, obrigada, e passado um mês, já tinha autorização médica para comer de tudo novamente. eis senao quando, esse mês de liberdade coincidiu precisamente com o natal. foi a desgraça. ao nivel da imaginaçao, ainda consegui idealizar uma mestria no auto-controle que se revelou absolutamente falhada. no plano do real, consegui um feito ainda maior que o anterior (emagrecer 10 kg em 4 meses quase sem sair do sofa): engordar 12 kg em 4 meses! foi a loucura total.
concluindo: eu preciso de estar sob tensão, com medo que alguma desgraça me aconteça para me controlar. preciso de estar um pouco menos-eufórica, com a felicidade controlada e limitada para poder tratar realmente de mim. definitivamente: a felicidade faz-me mal. engorda-me imenso! a alegria ataca-me as artérias e entope-me as veias!! não: não posso estar apaixonada loucamente! só um bocadinho, sempre focada no horror-por-vir a qualquer momento. nao posso descansar desse terror. tenho que ser hipocondríaca para ser minimamente feliz e saudavel. tenho que manter um certo nível de terror para conseguir cuidar de mim!
sou hipocondríaca porque amo a vida! amo-a tanto que nao a quero perder, nao quero morrer!
por favor, médicos de todo o mundo uni-vos e dêem razoes reais do meu apodrecimento inevitável de forma a eu ainda me poder salvar e ter uma vida saudável! prescrevam-me uma vida miserável, recheada de regras e abstinências, para eu poder tratar de mim! e tu, vida, vai-me pregando uns sustos de vez em quando para eu me ir lembrando de como é tarefa difícil tomar conta da minha saúde.
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