9 de maio, 20h30, lua cheia, pós-dia da mãe, pré-vinda do Papa, Portugal parou: era a hora de ouvir o Salvador. Sim, o Sobral. Há qualquer coisa da ordem do sobrenatural quando se ouve o Salvador a cantar. O tempo pára, ficamos todos suspensos, mas uma suspensão em nada masoquista, pelo contrário: uma suspensão absolutamente hedonista e feliz, que nos devolve o prazer em estado puro e exaltado e nos alimenta o desejo sempre produtor de mais e mais desejo de o ouvir sem fim! Portugal inteiro parou para o ouvir. Mas o mais incrível é que Portugal já há muito tinha vindo a perceber que estava parado à espera deste momento. Aliás, Portugal parou logo na primeira vez que o Salvador apareceu na TV. É que o Salvador não é só o Salvador de Portugal, ele é aquele que nos salva-a-dor do nosso passado, aquele que nos renova a identidade portuguesa e que substitui os 3 F (fado, Fatima, futebol) por 3 S: Salvador Super Star!! Sobral, the new religion! Para usar uma expressão que o próprio diz gostar imenso: é a porca puttana da loucura! Já quase não se ouve falar de futebol, o fado deu lugar ao jazz, e até as romarias a Fatima perderam todo o interesse comparadas com a sintonização em Kiev. O Salvador, com os seus 27 anos, veio renovar a própria identidade portuguesa (se é que ela alguma vez existiu ou existe - e no fundo isso também nem interessa, o que interessa é que está a unir os portugueses. Ainda ontem senti uma pequena ressonância com a minha vizinha de baixo que é uma besta só por escutar a música do Salvador que ela estava a ouvir em casa dela).
Comecei a ouvir falar dele antes mesmo de o ouvir ao vivo. A primeira vez que o ouvi, foi na Fábrica Braço de Prata, num concerto de boleros latino-americanos. Foi uma delícia, parecia um pássaro e eu senti-me em plena Havana a pingar com 40ºC debaixo de uma sombrinha. Fiquei imediatamente fã. Há um antes e um depois de se ouvir o Salvador. Ele é realmente messiânico, é o músico por vir que nos traz na sua forma de cantar uma nova e maravilhosa ligação ao mundo. Com Salvador, Portugal passou a ter mais um milagre e quase que desconfio que o Papa vai votar nele no próximo Sabado!
E quanto à sua saúde, só tenho a dizer que ela confirma o diagnóstico de Deleuze quando diz que todo o artista tem uma saúde frágil. Não é só pela música que ele é um anjo. Ele é-o também nessa sua condição de risco de morte eminente, que nos faz ver como, no fundo, somos todos refugiados da morte, e estamos só a viver num barco insuflável que um dia chegará a um porto desconhecido.
Salvador foi o único do festival da canção a resistir ao império da língua inglesa. Resistência pelo devir-menor, devir-português, devir-refugiado. Um grande bem-hajas, Salvador!
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