Depois de tanto tempo sem mesmo me lembrar da existência do meu próprio blog, regresso cheia de força e com vontade de não o deixar abandonado, por estes lados sem lados da internet. Pois, porque um blog sem uso, um blog sem actualizações é um blog-sem-abrigo, perdido na sua condição virtual. Gostava mesmo muito que este blog se tornasse actual, presente, efectivo, como que contornando a sua virtualidade. Uma espécie de «real sendo actual, ideal sendo abstracto» para reformular o lema tão conhecido de Proust e que o Deleuze tanto usa (para os que não conhecem ou já não se lembram, aqui vai a fórmula proustiana : «real sem ser actual, ideal sem ser abstracto»).
Acabei a minha tese de doutoramento. E se, por um lado, não me apetece minimamente falar disso agora, por outro resigno-me à sua incontornabilidade. Mas como o pensamento é algo de flexível e moldável (às vezes em demasia tornando-se perigoso) também posso dar por terminado o assunto e fugir para outros temas. E essa passagem será mais subtil, se me aproveitar da «incontornabilidade» do assunto da tese para inaugurar um outro tema: a incontornabilidade em si mesma.
Apesar de ser uma amante do caos e do acaso e da espontaneidade, tenho que reconhecer que a incontornabilidade tem uma aura e um encanto admiráveis. É a incontornabilidade que nos faz ser responsáveis, é ela que permite toda e qualquer lógica, sequência, regra. O amor é o exemplo perfeito. Do emaranhado caótico de sensações que o amor provoca, surge timidamente um futuro incontornável, uma espécie de «buraco rosa» (ou negro, consoante as nossas experiências) que nos atrai e ao qual somos conduzidos sem qualquer hipótese de fuga: ou a ligação ou a separação ou o eterno tormento (neste caso, o buraco seria mais para o «cinzento»).
Qualquer acontecimento forte na vida traz consigo uma incontornabilidade incrivelmente potente. Todo e qualquer acaso, acidente, mera distração ou imprevisibilidade produz um efeito incontornável. E isso é lindo: imaginar que o caos pode conduzir, para além de mais caos ainda, à serenidade da incontornabilidade. Refiro-me não só ao irremediável (mas esse traz uma sensação de frustração), mas sobretudo ao consequente saudável. Ex básico (mas quase nunca respeitado): quando há um ataque terrorista, uma guerra, ou uma catástrofe, as pessoas unem-se para pensar sobre a paz, a possibilidade de um mundo melhor, há uma ligação mais forte entre elas , há uma causa nobre a defender.
E depois, há a incontornabilidade como fonte de caos. Disso a morte é exemplar. É porque a morte é irremediável, é porque ela está à nossa espera desde que nascemos, é porque ela é um facto evidente, que a nossa vida pode ser um caos, as nossas acções exprimirem um alto nível de loucura ou de liberdade (as duas formas extremas de caos que eu tanto ambiciono). Então aí, caos e incontornabilidade jogam entre si, medindo forças, jogando o único jogo incontornável: aquele em que todos sem excepção jogam e todos sem excepção perdem (a incontornabilidade extrema e cruel da morte). É aí que alguns se interrogam: se a morte é incontornável, então vou viver nos seus contornos , vou percorrer as linhas tortas da vida, vou deixá-la correr ao ritmo do imprevisível. Vou ser livre, enquanto tal for possível. Vou agir no caos até ele se tornar impossível. Vou levar o impossível caótico até ao limite e deixar-me morrer quando assim tiver incontornavelmente que acontecer. Até lá, quero o caos. «Juste le chaos» ou «Juste un tout petit peu de chaos» é um óptimo ideal de vida!
Vou terminar abruptamente este texto, escrito como sempre no momento (o chamado «texte à la minute»), isto é, vou deixá-lo em estado meio difuso, meio inacabado, bruto, porque a fome de um bom almoço está a tornar-se cada vez mais incontornável.
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