Preciso de me ensurdeceder. Deixar-me invadir por um som que me altere, que me imobilize por completo e que me asfixie todo o pensamento. Preciso do nada, do vazio do barulho ensurdecedor. Uma cacofonia que faça sentido no caos da minha vida! A solidão a que cheguei, o meu estado hermético e silencioso anseia furiosamente um eco cheio, uma voz poderosa que cante, uma música infindável que transporte ao colo todo o meu corpo pesado.
Preciso urgentemente de barulho pois estou a ficar surda. O meu estado obsessivo está a fazer de mim uma autista voluntária, pelo menos consciente. Quero comer a vida toda aos bocados, às trincas, mordê-la no seu melhor, e no entanto fecho-me sobre mim, em mim, como se não conseguisse sequer mastigar, como se eu fosse um vazio de dentes para morder e de estômago para ruminar. Toda eu sou corpo vazio, corpo esvaziado pela mente, absorvido pela compulsão psicótica de uma necessidade primária de amar.
Tenho dentro de mim um único órgão gigantesco: amor. Tenho uma capacidade infinita para amar e isso destrói-me. Não por si, mas por não encontrar quem o queira receber de livre vontade, sem nada em troca, só mesmo pelo prazer de o receber. Há sempre tantos atritos, tantos preconceitos, tantas ideias fixas e regras de merda, que não consigo deixar este amor imenso fluir naturalmente. Só encontro obstáculos! Cheguei a este estado lastimável de querer absolutamente amar e não o poder fazer porque me proíbem. Dou-me de modo autêntico e verdadeiro, mas fecham-me as portas, dizem-me que tenho de me conter, de compreender que nem tudo é perfeito, de perceber a realidade, de encarar as dificuldades. Porra! Tanta miséria de espírito! Não haverá por aí alguém que queira viver a 1000km/h, de violar as regras e a vida, de ir ao limite comigo? Serei a única que quero alimentar-me do impossível porque todos os possíveis são demasiado pequenos para mim?
Eu quero amar, amar perdidamente, já dizia a Florbela Espanca. Ela era Espanca porque espancava a vida! É isso que devemos fazer: em vez de deixarmos a vida lixarmo-nos os esquemas todos, somos nós que a devemos violar, infringindo-a. Rebentar com ela. Esgotá-la! Degustá-la como um corpo macio, jovem, rijo de uma mulher apetitosa. Eu quero fazer amor com a vida, mas sem preservativo. Quero engravidar e ter muitos filhos dela. Mas isso só se consegue num processo paradoxal: engravidar da vida é o mesmo que engravidar a vida, fazer dela mais do que ela própria imaginou ser capaz. É um acto extremo, é um levar aos limites do pensável e do possível. É um pacto connosco e com a vida que nos pode levar à loucura e à exaustão caso não seja bem sucedido. Mas eu não quero morrer sem fazer esse pacto. Aliás, já o fiz. Para sempre.
Viver no risco, por amor. Perder-me por amor. Enlouquecer pela vida. Encontrar-me.
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"Não recordamos datas, recordamos momentos" Cesar Pavese
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