Sunday, June 07, 2009

O nosso T0
Tem pouca coisa. Livros e mais livros, um frigorífico recheado de coisas boas, um sofá de linhas simples, mas muito confortável, uma cama japonesa na mezzanine, almofadas, muitas almofadas, uma grande mesa antiga, de madeira maciça, bruta, simples, com um toque suavizado há mais tempo do que nós, café, chocolate e vinho, chão de madeira corrido e levemente envernizado, onde podemos andar descalços, alguns candeeiros, uns de chão, outros para iluminar as nossas leituras, uma jarra sempre com flores frescas, um excelente sistema de som para difundir a música por toda a casa, as coisas básicas para sobrevivermos, blocos de notas e papeis desarrumados, umas velas de aroma magnífico, não sei como haveríamos de resistir a ter uma televisão, mas também queria ver muitos filmes e o programa do jon stewart contigo, também teríamos um ou outro objecto sublime espalhado pelas estantes e uns lençóis sedosos. Despojado, simples, branco, luminoso, relaxado e relaxante, refúgio, nosso, só nosso.
Pelas janelas deixaríamos entrar o mundo inteiro. A chaleira está a apitar. Preparas tu o chá?

Friday, May 15, 2009

desculpa por te amar

Desculpa ter-te cruzado por acidente. Desculpa essa coincidência de te ter olhado e de me teres olhado também. Desculpa aquele momento em que os nossos olhares irresistivelmente se olharam e se fixaram e nos fizeram sentir renascer. Desculpa ter-te falado, desculpa ter-te desculpado o facto de teres sido tu a encontrar-me por acidente também. Foi sem querer, e tu sabes disso tão bem quanto eu. Desculpa teres gostado da minha voz, do meu corpo, do meu rosto, das minhas palavras, dos meus cabelos, enfim, desculpa ser quem sou, está bem?
Desculpa a nossa conversa ter fuído tão naturalmente. Desculpa não ter resistido a me deixar ir, a deixar-me perder no teu rosto e nas tuas palavras e amar-te. Desculpa ter-te dito o que penso. Desculpa ter sido autêntica, pura, intensa. Desculpa ter-te mostrado quem sou. E desculpa por ser quem sou, está bem?
Desculpa por te responder, desculpa por te querer, assim, desta maneira tão verdadeira. Desculpa amar-te como mais ninguém te amou. Desculpa conhecer-te tão bem, desculpa ser a única a saber quem tu és na tua essência mais profunda, na tua grandeza maior. Desculpa simplesmente amar-te. Desculpa compreender-te e sentir-te tão bem. Desculpa partilhar a mesma visão da vida e das coisas fundamentais dela. Desculpa sermos tão parecidos. Desculpa sermos almas gémeas atravessados por uma sincronia avassaladora. Desculpa amar-te (assim perdidamente), está bem?
Desculpa estarmos assim, presos ao próprio facto de nos termos cruzado por mero acidente. Desculpa a vida ter-nos cruzado assim, como que de propósito, para nos juntar eternamente, aconteça o que acontecer. Desculpa toda a nossa cumplicidade, tão linda, tão natural e tão importante. Desculpa eu pensar em ti a cada segundo. Desculpa não me saíres da cabeça. Desculpa não te sair da cabeça também. Desculpa por tu também me amares e desejares. Desculpa por te sentires tão amado, tão compreendido e tão exaltado pelas coisas belas, fortes, essenciais, enfim, vitais da vida.
Desculpa por só vivermos uma vez. Desculpa por a vida ser assim. Desculpa por o amor ser assim, não bater à porta, invadir-nos o lar e insistir em ficar como um hóspede ingrato que não foi convidado e que não quer mais sair. Desculpa existir o amor. Desculpa existirem coisas tão lindas na vida que só eu e tu partilhamos. Desculpa ter escolhido ir para filosofia e adorar literatura ao mesmo tempo. Desculpa pensar como penso. Desculpa todos os pequenos pormenores que nos constituem e que tanto apreciamos. Desculpa as nossas notas, as nossas coincidências, o nosso humor tão parecido. Desculpa a nossa troca de ideias, o nosso descobrir a 1000km/h coisas novas juntos. Desculpa pensarmos tão bem juntos. Desculpa sermos feitos um para o outro, está bem?
Desculpa não te ter conhecido um pouco mais cedo. Ou desculpa não te ter conhecido um pouco mais tarde. Ou simplesmente desculpa por nos termos conhecido por acidente.
Desculpa gostar de cada ínfima parte tua, por desejar cada milímetro do teu corpo e da tua mente. Desculpa até nisso sermos iguais: faustianos em corpo e em mente. Desculpa por te ter levado às nuvens. Desculpa por te ter feito sentir que podes ser amado por tudo aquilo que és. Desculpa amar-te. Desculpa seres quem és. Desculpa seres assim, irresistivelmente amado por alguém como eu. Desculpa conhecer-te tão bem. Desculpa ter-me interessado por ti como mais ninguém se interessou. Desculpa pedir-te para te abrires a mim, para me falares do que mais gostas, por te querer ouvir, simplesmente ouvir. Desculpa interessar-me tanto pelas tuas ideias. Desculpa olhar-te, assim, com tanto carinho. Desculpa entender-te tão bem. Desculpa ser a única a conseguir ler-te, não por te entender, mas por sentir exactamente o mesmo que tu sentes a todos os níveis. Desculpa sentir o mesmo pulsar da vida e o mesmo desejo pela vida. Desculpa completar-te, preencher-te, esgotar-te, corpo e mente. Desculpa fazer-te todo o sentido.
Desculpa ter-te feito aceitares-te. Desculpa ter-te mostrado a bela e boa pessoa que és. Desculpa ter-te dado confiança em arriscares lutar um dia por ti mesmo, para além, claro, de tudo o que já és e que conseguiste ser. Desculpa fazer-te sonhar mais alto. Desculpa fazer-te acreditar que afinal há um mundo espectacular que te pertence e que tu no fundo sabes que ele existe e que te pertence e que desejas de uma forma intensa. Desculpa ter-te mostrado uma felicidade que tu sempre desejaste, que está para lá da que tens agora e que tanto amas também. Desculpa tornar-te um herói. E desculpa ser a tua fraqueza, o teu calcanhar de Ulisses. Desculpa não sair da tua cabeça. Desculpa por me amares também.
E desculpa por te mostrar que afinal o nosso amor nem é impossível. Desculpa insistir que amar é amar sem limites e que portanto podemos manter o que temos sem romper com o que já temos. Desculpa não aceitar a ideologia cristã que tu também não aceitas. A ideologia que nos incute o pecado e a culpa por desejarmos sempre mais. A ideologia que nos obriga a matar partes de nós, geralmente as mais intensas e verdadeiras, precisamente porque puras, porque naturalmente desejantes. Desculpa pensar que poderíamos manter o que temos sem negar o que somos. Desculpa propor-te ficarmos como estamos, mais calmamente, precisamente por nos aceitarmos. Desculpa aceitarmo-nos como somos: almas gémeas!! desejantes!! sempre!!
Desculpa por tudo, mas mesmo tudo, simplesmente tudo fazer sentido entre nós. Desculpa apreciarmos os mesmos pequenos e os grandes detalhes: músicas, piadas, livros, rituais, sábados, bibliotecas, cidades, cheiros, flores, café, chocolate e outros sabores, e tantos outros prazeres, e ao mesmo tempo os mesmos ideais, a mesma visão da vida, o mesmo impulso vital. Desculpa por existir algo como o amor, como este nosso amor, tão sincero, tão especial, tão nosso. Desculpa.
Desculpa imaginar que poderia largar tudo o que tenho aqui e juntar-me a ti, aí onde estás, e viver contigo o teu sonho, essa cidade que habitas, e fazermos juntos a nossa livraria (ainda por cima até já tenho experiência na matéria e algumas boas ajudas como sabes). Desculpa nem sequer pedir-te para seres tu a largar o que tens para vires ter comigo, mas pelo contrário, propor-te ser eu a ir ter contigo, viver aí (até porque estou a pensar seriamente em sair de onde estou. Preciso de mudar de ares, e nada seria melhor do que mudar para onde tu estás e desejaste estar, porque se esse é o teu sonho, então também é o meu).
Enfim, desculpa por existir, está bem? (e posso sentir essa culpa, mas não querer morrer já por ter a esperança que um dia me desculpes?)
Desculpa pedir-te desculpa. Desculpas?

Tuesday, May 12, 2009

Solitude (duke ellington/eddie delange/irving mills)

In my solitude
You haunt me
With dreadful ease
Of days gone by

In my solitude
You taunt me
With memories
That never die

I sit in my chair
And filled with despair
There’s no one could be so sad
With gloom everywhere
I sit and I stare
I know that I’ll soon go mad

In my solitude
I’m afraid
Dear lord above
Send back my love

Sunday, May 10, 2009

Anos mais tarde regresso. Regresso como a uma casa abandonada, cheia de pó e teias, cheia de ideias secas, ressequidas pelo tempo. Devagar ponho a chave à porta. Hesito. Receio. O coração bate ininterruptamente. Um calafrio percorre todo o meu corpo fazendo-o tremer. Respiro fundo, fechando os olhos lentamente, tão lentamente que até as pálpebras me pesam e insistem em se fechar para sempre. E assim me deixo ficar, parecendo uma eternidade. Até que de repente um pássaro me acorda com o seu canto. Abro os olhos num ápice e olhamo-nos, olhos nos olhos, numa fracção de segundo que se estende pelo mundo inteiro, tornando-nos cúmplices para sempre. Naquele momento toda eu sou pássaro. Nem uma palavra consigo mais soltar. Só o canto me preenche e faz sentir-me eu. O pássaro ficou mais um pouco, como que pedindo-me para o ler, para o ver, para o perceber para lá de tudo. E naquele silêncio, eu só consigo chorar, chorar, chorar. Porque o amor simplesmente acontece. O amor não escolhe o momento, nem a idade nem se é pessoa ou animal. Então o pássaro aproxima-se ainda mais, voando até mim. Primeiro pousa no meu ombro, mas depois percorre-me, rodeia-me, de alto a baixo, esvoaçando-me, criando brisa no meu rosto, fazendo os meus cabelos levantar levemente ao ritmo do seu bater de asas. E aí percebo a sua intenção: aquele pássaro queria ouvir o meu riso, escutar a minha voz e dizer-me que apesar de ter de regressar ao seu ninho, a minha casa era a sua casa. E antes de partir, deixou-me a promessa de regressar.
Inerte, completamente bloqueada mas totalmente preenchida de sentido e de amor, vi-o partir. Ainda fiquei a olhar a paisagem, à sua procura. E aos poucos fui respirando de novo, mas o ar já não era o mesmo. Nunca tinha respirado daquela maneira: no instante em que me cruzei com aquele pássaro, o ar era puro como a bomba para um asmático num momento de crise. Voltei a respirar. Fundo. Uma respiração com esforço, com um esforço sobre-humano como que obrigando os meus pulmões a abrirem-se e a aceitarem aquela sua nova condição de estilhaçamento. Foi um respirar repleto de dor, como que respirando ácido, como que perfurando cada milímetro dos meus pulmões, rasgando violentamente a pleura e queimando os alvéolos.
Virei-me. Encarei de novo a porta. É agora, pensei. É agora, repeti. É agora, convenci-me. É agora, obriguei-me. É agora, menti-me. É agora, morri-me. É agora, porque nunca o será de facto.
Há-de flutuar uma cidade

há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida pensava eu... como seriam felizes as mulheres à beira mar debruçadas para a luz caiada remendando o pano das velas espiando o mar e a longitude do amor embarcado por vezes uma gaivota pousava nas águas outras era o sol que cegava e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite os dias lentíssimos... sem ninguém e nunca me disseram o nome daquele oceano esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar se espantasse com a minha solidão (anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.) um dia houve que nunca mais avistei cidades crepusculares e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta inclino-me de novo para o pano deste século recomeço a bordar ou a dormir tanto faz sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
al berto