Tuesday, February 25, 2014

estou a precisar de me voltar a perder. daquelas perdiçoes quase-absolutas em que a meio caminho torturas-te com o medo de nao regressar. acho que é isso: preciso de mergulhar no medo, nos monstros, no terror. embrenhar-me toda em mim-que-se-tornou-monstro e deixar-me dilacerar pelo seu apetite voraz até à exaustao. preciso de me esgotar. ja nao aguento esta energia! quero rasgar-me até nao ser mais textura, quero morder-me até nao ter mais superfície, quero deixar-me transparecer, qual ténue membrana atravessada pela luz da manhã. e depois, depois tu chegas e lambes os restos que ainda existem de mim, numa tentativa de restaurar tudo o que nao vivemos, tudo o que ficou perdido mas que ambos desejámos um dia. e assim, depois, somos pele.

Saturday, February 22, 2014

hoje sonhei que a minha gata estava submersa na minha banheira que entretanto tinha uma abertura no fundo para o oceano, de onde emergiam os raios de sol traduzidos pela imensidao da agua. mas a banheira nao transbordava, porque havia algo de perfeitamente normal em toda esta situaçao. e no entanto, eu senti-me a mergulhar também. e tanto eu, como observadora, como a gata, a mergulhadora, sentiamo-nos muito bem.

Friday, February 21, 2014

adoro deixar-me atravessar completamente pela complexidade.

Thursday, February 20, 2014

ontem, em conversa com amigo meu frances, achei imensa piada (daquelas trágicas, claro) quando ele me perguntou «mas o que é que se passa com o povo portugues? voces aceitam tudo! sao muito passivos! em França, ninguém ousa sequer imaginar cortar 40% dos salários da funçao publica porque haveria imediatamente uma revoluçao!».

pergunto-me: será que a passividade portuguesa exprime um desejo do retorno do Salazar, numa espécie de síndrome de sebastianismo? será que o tuga tem uma secreta fantasia em ser preso e torturado? será a prisao de Caxias o grande cenário deste fétish lusitano?

Thursday, February 06, 2014

ultimamente ando diluída, infelizmente não numa solução alcalina ou noutra qualquer, mas, precisamente, numa não-solução, num impasse. equaciono hipóteses, meço os prós e os os contras, desenho esquemas, faço listas, recorro aos conselhos dos amigos, enfim, uma autêntica parafernália para tentar chegar a um resultado qualquer dentro desta minha cabeça que, quando se depara com impasses assim, tende a demonstrar o seu lado mais obsessivo e incapaz.
tudo isto porque estou a pensar mudar de casa. nao vou entrar em psicologias baratas de que como sou do signo caranguejo tenho imensa dificuldade em mudar de casa por ser o signo mais ligado ao lar e à família. nada disso. até porque, pelo que me disse uma amiga especialista em astrologia, cosmos, e mapas celesteais, o caranguejo é precisamente o signo mais mutável de todos. mas enfim, adiante! já mudei de casa algumas vezes na vida, quase sempre por iniciativa própria e com imenso prazer nisso. mas desta vez é diferente.
a primeira vez que mudei de casa foi um horror. alias, nao foi bem mudar de casa. foi deixar a minha casa (dos meus pais) para ir durante um ano para outra casa. ou seja, o regresso estava garantido à partida. tinha 14 anos e fui um ano para Bruxelas. chorei desalmadamente por abandonar as minhas amigas. escrevia-lhes regularmente, nesse tempo das cartas com selos colados com um movimento de língua e enviadas pelo correio, das raras vezes que lhes telefonava, de uma cabine da estaçao do metro ao pé de casa (por acaso os meus pais tiveram a excelente ideia de alugar um apartamento girissimo num 12 andar com uma vista deslumbrante sobre a cidade, o que fazia com que a maior parte das visitas que lá recebíamos, mesmo de belgas, ficasse completamente arrasada com aquela perspectiva de que espero nunca perder da minha memória), desatava imediatamente a chorar de saudades. mas como adoro viajar e experimentar novos mundos, o que é certo é que, por entre as lágrimas, lá ía saboreando a paisagem (até fiz um diário de bordo dessa viagem, mas que é muito pequeno porque os meus pais sempre conduziram depressa, sobretudo naquela situaçao em que o objectivo era chegar rapidamente ao destino). ainda me lembro do carro atolhado de livros e de coisas, sim, coisas!, e das primeiras impressoes de Bruxelas. vimos imensas casas. lembro-me de todas elas, é incrivel. marcou-me imenso a diferença da lógica das casas: todas eram contíguas, tinham por ex 3 assoalhadas todas de seguida, ligadas, alinhadas ao comprido. eram quase todas assim. excepto a nossa, que como era numa das torres que aparecem em muitos postais de Bruxelas, nao respeitava as construçoes tradicionais. era portanto uma casa bastante mais quadrada, com um hall quadrado, com uma enorme sala com janelas em 2 frentes! e com os quartos com janelas enormes para a 3a frente. a casa era toda ela panoramica. lindaaaa!! ainda me lembro de estudar, no meu quarto, ao som dos doors e do jaques brel e olhar pela janela e ver aquela cidade, meia baixinha e de um grisalho pálido e seboso, a perder de vista. regressando ao assunto deste texto: mal cheguei à minha nova escola, fiz imensos amigos e rapidamente já fazia jam sessions no atrio central. escusado será dizer que chorei portanto imenso no meu regresso (mas como sou uma chorona nata, tal situaçao é mesmo incontornável... - nota para mim mesma: deveria controlar mais esta minha tendência para a psicologia de pechincha!)
a segunda vez que mudei de casa, foi para ir viver com aquele que, mais tarde, se tornou no pai da minha filha. vivemos 12 anos numa casa linda, enorme, para os lados da Graça. ao inicio, quando fui para la viver, a casa estava absolutamente vazia, so com um colchao no chao e pouco mais. aos poucos, a casa foi-se recheando de carinho e ganhando a forma de um lar (marcou-me imenso ouvir, precisamente, este comentário da boca de muitos amigos nossos, ou seja, de que comigo aquela casa tinha ganho a forma de lar). alias, a casa foi expandindo, ao ponto de recuperarmos o 2º piso, e de um velho e magnifico sótão todo em madeira ainda conseguirmos extrair uma sala e uma varanda ambas gigantes (tinhamos sofas na varanda, rodeados de buganvilias e uma vista soberba sobre o rio Tejo e a Basilica da Estrela). nao é para criar inveja, mas também tinhamos uma outra varanda, enorme e cheia de flores, no 1º piso. e uma das casas de banho tinha a possibilidade de, ao acender a luz, ouvirem-se os passarinhos e a agua a correr (som retirado de um daqueles quadros pirosos chinocas).
como devem imaginar, nao me custou nada mudar de casa. tudo o que eu queria era ir juntar-me à minha paixao. tinha 20 anos e fazia parte do voo natural das crias.
custou-me horrores sair. fui eu que quis. saí numa manha, dia 15 de Março, so com umas malas e com a minha filha de 7 anos pela mao, e nunca mais voltei. mas saí com a sensaçao de alivio, de liberdade, de independencia. saí a sentir que tinha o mundo todo à minha frente como possibilidade. ainda me lembro de apanhar um taxi, sem saber para onde ir, e ligar à minha mae a saber se eu e a minha filha poderíamos ficar em casa dela naquela noite e até arranjar uma soluçao. acabei por ficar 2 anos. gostei muito. dou-me muito bem com a minha mae, que é um amor e super mae. mas a situaçao era inevitavelmente provisória e apesar do conforto e do aconchego, chegou o momento em que senti de novo o impulso de voar. nao como urgencia ou emergencia, mas como necessidade de puxar por mim outra vez. dar-me novamente à experiencia, entregar-me mais uma vez à vida, lançar os dados uma vez mais.
num almoço de Natal, uma prima disse-me que sabia que ía vagar uma casa onde ela viveu e cuja renda era barata. a casa era no Restelo. so conhecia a zona de nome, mas nao sei como, logo na 1a vez senti que era o meu lugar. até o caminho se fazia quase sozinho, como que conduzindo-me. nao gostei lá muito da rua, mas adorei a casa. ok, nao gostei nada da cor dos moveis da cozinha (mas dei-lhe uma volta engraçadíssima e hoje adoro), nao gostei nada dos azulejos de uma das casas de banho (que vou desculpando dizendo que sao kitsh) e nao gostei nada do contraste entre o branco das paredes e o escuro das portas e do chao. no entanto, adorei tudo o resto e mal vi a casa comprometi-me com o sim.
e agora? agora chegeui ao ponto inicial desta minha ja longa conversa. agora. agora estou sentada na sala, grande e quadrada como gosto, com uma enorme frente de janelas que se prolongam numa varandinha que simplesmente amo com vista sobre o rio. agora penso em mudar de casa. mas é so isso: penso. nao é uma necessidade. é um mero equacionar de possibilidades.
mas aos poucos vai-se construindo em mim a necessidade de mudar, na esperança de que o mudar de casa seja também o mudar de pele e de vida, pelo menos uma espécie de refresh ou reset. porque no fundo é isso mesmo: é um reset. sinto que esta casa pertenceu a um período da minha vida. que foi um marco importante (no fundo, foi a minha primeira casa em toda a minha vida! foi a primeira casa que aluguei sozinha, em meu nome - a casa onde vivi 12 anos era a casa onde o pai da minha filha ja morava).
e no entanto, é mais do que isso. é algo exterior a mim. é uma necessidade fora de mim que me impele.quase que ouço os próprios objectos a suplicarem movimento!
vou ter imensas saudades desta casa, sobretudo do pôr do sol refectido na bola de espelhos que pendurei junto à janela e que inunda as paredes todas de bolas dançantes. mas isso é o menos, até porque vou voltar a pendurá-la junto a outra janela. as saudades vao ser sobretudo do pôr do sol visto desta janela, enquanto abro a porta para a varanda e me sento na cadeira, ponho umas velas na mesa e estico as pernas no corrimao. vou ter saudades do conforto desta casa. mas é isso mesmo: às vezes é necessário e bom até sair-se da zona de conforto e lançar os dados again and again. só quero parar de o fazer quando já nao sentir sequer dúvidas. porque se a dúvida existe, é porque uma soluçao está a ser precisa. e eu adoro resolver e agir e inventar a minha vida. é isso: a minha vida. vou gostar de contar as casas onde já vivi. e alias, já que as alugo, ao menos que aproveite mudar de vez em quando, right?