Tuesday, July 25, 2017

quando o corpo se torna pesado, encho a cabeça de ruído. até que os meus joelhos fiquem em papel e o meu rosto uma nuvem que basta soprar para desaparecer. e bebo um copo de vinho para afogar as mágoas que pesam no meu corpo, como que ensaiando uma vez mais a derrota permanente perante o mundo. solidão. absoluta solidão. às vezes sabe bem, mas outras faz-me desesperar de mim mesma, de ti e de tudo. de ti que nunca conheci, é certo, mas que sei que existes e que me lês. assombras-me e por breves momentos embalas-me, pareces ser afinal o ruído que me preenche, a liberdade que me incrimina, a alegria que me azucrina, a saudade oca do nada total que é um nada igual a menos um. um dia gostava de ser manhã, uma manhã à beira de um lago numa floresta. essa imagem persegue-me como se fosse o meu destino. quero tatuar-me de futuro é o que é! quero preencher-me toda de tudo e mais alguma coisa! quero rebentar de energia! quero morrer de vida!

Saturday, July 15, 2017

os desconhecidos da nossa vida

das muitas noites de dança inesquecíveis, houve uma que de vez em quando ne reaparece na memória, sempre da mesma forma nítida. eu devia ter uns 12-13 anos, a minha irmã tinha entrado para a faculdade de ciências. havia uma festa na cantina do C1 (onde muitos anos mais tarde almocei com regularidade e onde agora está transformada em sala de computadores). lembro-me que a cantina estava toda transformada para receber uma festa muito gira, organizada pelos estudantes de bio-química. foi a primeira vez que bebi uma bebida com vapor líquido, daquele que anos mais tarde viria a encontrar no Bora-bora na Av. Almirante reis, no meio dos amendoins e do ambiente artificial de ilha paradisíaca em jeito de salao de estar de hotel rasca. mas isso é outra história.
naquela noite dancei até ao amanhecer. estávamos em plenos anos 80 dos The Smiths, David Bowie, Lloyd Cole, Nina Hagen e tantos outros, mas por acaso não me lembro das músicas que passaram nessa noite. a memória que tenho é falsa porque é como se tivesse sido uma música só durante toda a noite. uma coisa é certa: dancei a noite toda com um colega da minha irmã que não sei quem é, que nunca tinha visto e que nunca mais voltei a ver. lembro-me só que era baixo, moreno, com muito cabelo. e que dançava tão bem, que ficámos a noite toda a dançar até amanhecer. creio, aliás, que foi a minha primeira directa. lembro-me de sair da faculdade já a amanhecer, de ver o parque de estacionamento com o nascer do sol. (há uma relação muito interessante entre parques de estacionamento e nasceres do sol, mas isso também seria uma outra história. por agora fica como mero apontamento).
dançámos como se nos conhecêssemos desde sempre, como se fossemos um par já habituado de um musical. foi mesmo, mesmo muito especial. Creio que se chamava Nuno, mas não tenho a certeza, nem quero saber, porque ele pertence àquele grupo de desconhecidos que marcaram e fazem parte da minha vida para sempre. E se adoro falar e meter-me com desconhecidos, adoro ainda mais que eles inscrevam a sua não-identidade em mim. adoro ter uma vida na qual fazem parte integrante imensas pessoas desconhecidas. e muitas delas são mais importantes e mais reais, mais genuínas, mais intensas do que outras que, apesar de serem conhecidas, se revelam, afinal, desconhecidas.mas isso também seria uma outra história, triste. pertence ao universo da música "people are strange" dos Doors.
esta de hoje é muito alegre e até afirmativa. estas pessoas desconhecidas trouxeram-me energia, alegria, permitiram-me ser eu, sem mais satisfações. apenas partilhar um qualquer momento e nunca mais nos vermos. é belo. é bonito. e nem sequer se trata de uma excitação sexual ou perversão qualquer. trata-se apenas da beleza dos acasos e dos desconhecidos da nossa vida, porque também é bom não conhecermos tudo o que nos acontece e perdermos um pouco o controlo do rumo da nossa vida. por breves momentos, alguém que não sabemos quem faz parte de nós. e é só isto. e é tanto.